Cara Marcella,
Daria tudo para ver a sua cara ao encontrar este e-mail entre os vários que meu marido escreve para você. Não me interprete mal; não estou escrevendo para provocar - nem criar caso. Quero apenas ser a primeira a dar uma notícia do seu interesse, e como sei que vive conectada à internet... A menos que o André já esteja aí e tenha estragado a minha surpresa. Ele me disse que ia para um flat, mas você sabe tanto quanto eu (talvez até melhor) que não seria a primeira mentira que ele me conta. Garanto, porém, que será a última. A notícia é justamente esta: acabo de colocar meu marido porta afora, com malas e tudo. Sem volta. De modo que vocês não precisam mais fazer malabarismos para evitar que eu descubra o que já sei há quase um ano. De modo também que, se eu fosse você (e, acredite, houve época em que ser você era o que eu mais queria), começaria a me preocupar se ele demorar a aparecer.
Mas vai aparecer, sim. Porque agora você é tudo o que ele tem. Pela primeira vez, vai bater na sua porta não por excesso de tesão; será por falta de opção. E eu queria que você soubesse disso. Passei o diabo por sua causa e não vou permitir que sinta o gostinho de imaginar que venceu. No final das contas, sempre foi isso, não é? Uma competição entre nós duas. O mais irônico é que o "prêmio" nem é lá essas coisas. Acredita que o desgraçado ensaiou pedir perdão, jurando que o caso de vocês não era nada sério? E olha que não cobrei explicações. Nem ameacei impedi-lo de ver a filha. Só mandei que saísse da minha vida.
Precisava ver o estado em que o André ficou quando chegou em casa hoje e encontrou as malas na porta. Nunca havia passado pela cabeça dele a possibilidade de que eu desconfiasse de algo. Menos ainda de ser dispensado. E daquela forma. Ficou tão desnorteado que me acusou de traição por tramar tudo pelas costas dele. O cínico transava com você e a traidora era eu! Pela primeira vez depois desse tempo todo, tive vontade de rir. Lá estava o infiel, chapado com a descoberta de que tinha sido enganado. Prova de que sou muito mais competente na arte de dissimular. Só eu sei o esforço que isso me custou. Mas, lamentações à parte, foi um alívio colocar um ponto final na situação.
Nunca mais vou olhar para o meu marido imaginando se hoje é o dia em que vai abrir o jogo e acabar com o nosso casamento. Nunca mais vou ter a sensação de ser inadequada, errada, pouca coisa. Nunca mais vou sentir seu detestável cheiro almiscarado entranhado na pele e nas camisas dele. É, foi o perfume que me alertou. Sempre o mesmo, sempre nos dias em que chegava em casa mais tarde, sempre nos mesmos dias da semana. Depois, a desconfiança me fez vasculhar o computador dele e encontrei suas mensagens. Era o único programa protegido. Não tive dificuldade para descobrir a senha, mas fiquei chocada: o filho-da-mãe usou a data do nascimento da nossa filha!
Tenho de admitir: ele foi bom de serviço. Fora o maldito perfume, não deu nenhuma bandeira. Mas, depois que tive acesso à correspondência de vocês, acompanhei cada encontro, como se estivéssemos os três na mesma cama. Sabe "o lugar de sempre" de que você falava nas mensagens? Eu estive lá. Segui o André. Foi a primeira vez que vi a tal de "sua Marcella" que assombrava meus dias e principalmente minhas noites. Estacionei do outro lado da rua e esperei vocês saírem: duas horas e 35 minutos contados no relógio. Depois que foram embora, entrei. Quando viu que eu estava sozinha, a caixa do motel me olhou como se eu fosse alguma depravada. E naquele momento era mesmo. Havia algo de doentio na minha necessidade de ver o cenário da traição. Sabia que seria coincidência demais ela me dar a chave do mesmo quarto, mas nem precisou. Pela suíte que vi, constatei que o motel era bem mais refinado do que aquele que freqüentávamos no auge do namoro.
Humilhante, não é? Fiz mais. Lembra-se de uma Cecília Matos que ligou para a seguradora em que você trabalha marcando uma entrevista e nunca apareceu? Foi só para ouvir a voz da vagabunda que estava tentando roubar o meu marido. Só que você não tinha voz de vagabunda. E me pareceu muito competente. Entrei em parafuso. O André não estava de caso com uma qualquer. A partir daquele dia, segui você - e não só quando estava acompanhada dele. Sei quem são e onde moram seus amigos, a tia querida, até o seu analista. Não me orgulho disso, mas também não me envergonho. Hoje, que tirei o dia de folga só para arrumar as malas do homem com quem vivi sete anos, tinha certeza de estar fazendo a coisa certa. E, de uma forma oblíqua, me vingando.
Não sei nem quero saber o que o André vai contar no seu ouvido. Seja lá o que for, aposto que acreditará na minha versão da história. Afinal, eu sou, sem a menor sombra de dúvida, bem mais confiável do que ele. Sinto falar assim do homem que você ama, mas nós duas sabemos (embora você talvez ainda não queira admitir) que se trata de um canalha. Nada mais explica ter mantido uma vida dupla por tanto tempo. Tentei achar outros motivos - afinal, ele também era o homem que eu amava. Acreditei que a culpa era minha. Fiz a mim mesma um milhão de vezes a clássica pergunta: o que a amante dele tem que eu não tenho? Fora cinco anos a menos e um corpo um pouco mais firme à custa de musculação, não encontrei nenhuma vantagem evidente. Somos até parecidas. Não apenas fisicamente. Como você, sou uma profissional bem-sucedida. Tenho muito a oferecer a um homem. Inclusive na cama. Embora essa tenha sido a dúvida que mais me atormentou no começo.
O que será que você fazia de tão especial? Quase surtei pensando nisso. Não parava de me lembrar de uma colega da faculdade. Comentava-se que ela tinha orgasmos múltiplos em todas as transas! Ficava imaginando uma cena assim com você e o André, e quem perdia o fôlego era eu. Sentia como se eu fosse morrer. De inveja, de frustração, de humilhação. Felizmente, essa fase de ciúme delirante durou pouco. Foi substituída por um ódio cego, desejo de vingança e, finalmente, lucidez. Se ganhei alguma coisa além de cabelos brancos e um princípio de úlcera nervosa por causa do longo caso de vocês, foi isto: tempo para ir ao fundo do poço e voltar. Compreendi que não se tratava do que você tinha e eu não, mas do que eu tinha e você não. E eu tinha um marido, uma casa e uma criança de 3 anos; uma imagem de porto seguro. Atraente, porém menos excitante.
Acabei chegando à conclusão de que o André nos enganava. Nunca pretendeu escolher. E por quê? Tinha o melhor das duas. Por ele, arrastaria a situação indefinidamente. Pior: se fosse pressionado, ficaria comigo. E gosto demais de mim mesma para aceitar uma coisa dessas. Foi por isso que o coloquei porta afora. Por ironia, ele agora é o único que não tem escolha. Quando bater aí, você pode ou não abrir a porta que eu fechei. Não sei qual das opções me daria mais prazer. Enfim, o problema é seu...
Adeus para você também,
Patricia
FONTE: NOVA - http://nova.abril.com.br/edicoes/384/aberto/amor_sexo/conteudo_89141.shtml?pagina1