Ele
não sabe mais nada sobre mim.
Não sabe que o aperto no meu peito
diminuiu, que meu cabelo cresceu, que os meus olhos estão menos
melancólicos, mas que tenho estado quieta, calada, concentrada numa vida
prática e sem aquela necessidade toda de ser amada.
Ele não sabe
quantos livros pude ler em algumas semanas.
Não sabe quais são meus
novos assuntos nem os filmes favoritos.
Ele não sabe que a cada
dia eu penso menos nele, mas que conservo alguma curiosidade em saber
se o seu coração está mais tranqüilo, se seu cabelo mudou, se o seu
olhar continua inquieto.
Ele nem imagina quanta coisa pude planejar
durante esses dias todos e como me isolei pra tentar organizar todos os
meus projetos.
Ele não sabe quantos amigos desapareceram desde que me
desvencilhei da minha vida social intensa.
Que tenho sentido mais sono e
ainda assim, dormido pouco.
Que tenho escrito mais no meu caderno de
sonhos.
Que aqui faz tanto frio, ele não sabe por mim.
Ele não sabe que
eu nunca mais me atentei pra saudade. Que simplesmente deixei de pensar
em tudo que me parecia instável.
Que aprendi a não sobrecarregar meu
coração, este órgão tão nobre.
Ele não sabe que eu entendi que se eu
resolver a minha dor, ainda assim, poderei criar através da dor alheia
sem precisar sofrer junto pra conceber um poema de cura.
Hoje foi um dia
em que percebi quanta coisa em mim mudou e ele não sabe sobre nada
disso.
Ele não sabe que tenho estado tão só sem a devastadora sensação
de me sentir sozinha.
Ele não sabe que desde que não compartilhamos mais
nada sobre nós, eu tive que me tornar minha melhor companhia: ele nem
imagina que foi ele quem me ensinou esta alegria.
Marla de Queiroz
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