terça-feira, 14 de junho de 2011

Ciúme não é ex.

Sobras de minha existência pela casa, escondidas para não irritar a nova mocinha. Meu pijama sufocado num canto da gaveta para que nenhuma lembrança respire. Meus chinelos abduzidos no meio da "sapataiada", tão pequenos que quase inexistem ou poderiam passar tranqüilamente por pares de criança. Fotos, milhares delas, guardadas sem carinho, uma preguiça triste de arrumá-las em álbuns. Estão lá, paralisadas em momentos felizes, tradutoras de uma vida que quase foi, trancadas porque o que quase foi não pode atrapalhar o que ainda pode ser. Talvez um fio de cabelo, o último deles, esteja nesse momento sendo varrido e levado pelo vento forte e solitário que não deixa dúvidas que o inverno chegou. Inverno que era sempre comemorado porque eu sabia que ele não sentiria tanto calor para dormir e eu poderia ser abraçada de conchinha o tanto que desejasse. Agora é outra que suspira protegida olhando o quadro do Monet e ri apaixonada de algum provável barulho que ele faça com seu nariz estranho, jurando na manhã seguinte que não ronca. Saudade não é ex, tampouco amor. Mas a vida da qual abrimos mão por um sonho (ou por um erro) é passado. E de escolhas e de perdas é feita a nossa história. Não há nada que se possa fazer a não ser carregar por um tempo um peso sufocante de impotência: eu escolhi que aquele fosse o último abraço. Agora é outra que se perde em ombros tão largos, tomara que ela não se perca tanto ao ponto de um dia não enxergar o quanto aquele abraço é o lado bom da vida. Da vida que te desemprega mesmo depois de tantas noites em claro e de tantos beirutes indigestos. Da vida que te abre uma porta que você jura ser a certa mas quando resolve entrar descobre duas crianças brincando na sala e uma mulher esperando no quarto. Da vida que te confunde tanto que você quer se afastar de tudo para entendê-la de fora. Da vida que te humilha tanto que você quer se ajoelhar numa igreja. Da vida que te emociona tanto que você não quer pensar. Da vida que te dá um tapa na cara pra você acordar e não tem ninguém pra cuidar do machucado e dizer que vai ficar tudo bem. Da vida que te engana. Aquele abraço era o lado bom da vida, mas para valorizá-lo eu precisava viver. E que irônico: pra viver eu precisava perdê-lo. Se fosse uma comédia-romântica-americana, a gente se encontraria daqui a um tempo e eu diria a ele, que mesmo depois de ter conhecido homens que não gritavam quando eu acendia a luz do quarto, não faziam uso de um cigarro que me irritava profundamente e sobretudo minha rinite alérgica, não amavam os amigos acima de, não espirravam de uma maneira a deixar um fio de meleca pendurado no nariz, não usavam cueca rosa, não cantavam tão mal e tampouco cismavam de imitar o Led Zeppelin, não tinham a mania de aumentar o rádio quando eu estava falando, não tiravam sarro do bairro em que nasci, não insistiam em classificar minhas mãos e pés como seres de outro planeta, não ligavam se eu confundisse italiano com espanhol e argentino, nomes de capitais, movimentos artísticos, datas de revoluções e nomes de queijo, era ele que eu amava, era ele que eu queria. E ele me diria que, mesmo depois de ter conhecido mulheres que conheciam a Europa e não entupiam o ralo com cabelos, mulheres que tinham nascido em bairros nobres e charmosos de São Paulo, ou melhor, do Rio de Janeiro, mulheres que arrumavam a cama e não demoravam tanto para sentir prazer, não entravam de sapato no carpete, não tinham uma blusa ridícula com uma rajada de dourado, não eram dentuças e tampouco testudas, não cantavam tão mal, não tinham medo de cachorros pequenos, não reclamavam do ar-condicionado e nem tinham medo de perder a mãe ou comer uma comida muito temperada, era eu que ele amava, era eu que ele queria. Mas a realidade é que não gostamos desses tipos de filme fraco com final feliz, gostamos dos europeus "cult" onde na maioria das vezes as pessoas sofrem e perdem, assim como aconteceu com a gente.

(Tati Bernardi)

domingo, 12 de junho de 2011

Sobre tantas coisas, num só dia

É... acabou mesmo.
Não porque não nos falamos, não porque não respondi aos seus ímpetos de enganos.
Dessa vez eu não quis ir além de mim. Dessa vez eu não procurei não ficar mal. Resolvi passar por esta fase assim como tem que ser: com dor, com lágrimas, com falta.
Mas ao retornar, me senti tão acolhida... Surpresa com a surpresa de encontrar aqueles que me importo.
Foi estonteante e gratificante saber que alguém também se importa, que alguém me quer bem... e antes de mais nada esse passou a ser o meu objetivo: eu me quero bem, eu quero me acolher... não há amor maior que o amor próprio... e hoje pude resgatar tudo aquilo que você matou em mim: minha alegria, meu sorriso mais espontâneo, meus ombros e colos...

Eu quis sim te fazer feliz, te coloquei tanto em primeiro lugar, e esqueci de mim. E você também esqueceu... ou não, sei lá... esse é você: no seu mundinho onde só há você, com seus seguidores e com seus falsos e pagos amores... eu fui de verdade pra você, então você não se acostumou, rejeitou e preferiu viver na mesmisse.
Acho que te causei medo.

Amor, eu sei, não é uma questão de escolha...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Quebrando as correntes...


Eu preferia ficar no zero a zero.
Se não era capaz de me fazer feliz, que não me fizesse sofrer.

Só vou lamentar o quando permiti que você destruísse tudo de bom que havia em mim. O meu maldito medo da solidão trouxe você pra minha vida, e me fez ter medo de muitas outras coisas.

Com você descobri o quanto a mentira dói... o quanto é duro amar alguém que não tem nem amor próprio. Com você aprendi que por mais que você ame, que você faça e aconteça, o outro nunca muda.
Com você aprendi do que uma pessoa é capaz por inveja, egoísmo e egocentrismo.

Aprendi todo o outro lado do amor.

Mas então saio de cabeça erguida dessa prisão que foi estar com você. Eu sim saio de cabeça erguida, a coloco no travesseiro e durmo tranquila, sabendo que fiz tudo o que podia fazer pra dar certo, pra fazer ser diferente.

Então, na verdade eu não saio no zero a zero. Eu saio com vantagem, pois eu sim aprendi muito com você.

Aprendi a não me doar tanto, a não me entregar de cara. A não acreditar mais em alguém que mente pra si próprio. A não mais abandonar quem esteve comigo o tempo todo.

Dessa vez vou fazer diferente. Vou realmente me livrar de qualquer resquício de você. E não vou olhar pra traz pra dizer que quem perdeu foi você... eu estarei tão a frente que mesmo que olhar pra traz, eu não o verei.

Eu não sei pra onde vou. Mas agora eu vou... Estou quebrando toda e qualquer ligação com o mal que você me faz...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O amor no colo


A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.
Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.
Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.
Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.
Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, aguentar o desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar Vinicius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure". A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: "Por que fez isso comigo?"
Haverá a indignação como última esperança.
Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar.

Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela.
Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar.
Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros.
Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas.
Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.
Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto.
Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo.
Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto.
O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e - ao mesmo tempo - necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante.
Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim.

Fabrício Carpinejar